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O jogo do bicho

Hoje estava pensando no tempo em que eu, ainda menino, no bairro da Bomba,passava jogo de bicho. Era cambista da banca “A SIMPATIA DO POVO”, de propriedade do saudoso Antônio Dedé e do meu tio Adauto Parente,(“Tidauto” para os mais próximos),falecido há poucos meses na cidade de Petrolina.

Sei bem que o jogo de bicho é uma bolsa ilegal de apostas em números que representam animais e foi inventado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador e proprietário do jardim zoológico do Rio de Janeiro em Vila Isabel.

A fase de intensa especulação financeira e jogatina na bolsa de valores nos primeiros anos da república brasileira imprimiu grave crise ao comércio. Para estimular as vendas, os comerciantes instituíram sorteios de brindes. Assim é que,querendo aumentar a frequência popular ao zoológico, o barão decidiu estipular um prêmio em dinheiro ao portador do bilhete de entrada que tivesse a figura do animal do dia, o qual era escolhido entre os 25 animais do zoológico e passava o dia inteiro encoberto com um pano. O pano somente era retirado no final do dia,revelando o animal do dia.Posteriormente os animais foram associados a séries numéricas da loteria e o jogo passou a ser praticado largamente fora do zoológico, a ponto de transformar a capital da república (de 1889 a 1960) na “capital do jogo do bicho.Simples no começo, o sistema de jogo do bicho multiplicou-se pelo território e passou a fazer parte da cultura do povo brasileiro.

Nos anos 70, naqueles famigerados “anos de chumbo”, o rádio ABC, a voz de ouro, isso mesmo, aquele que tinha um canário como logomarca, fazia sucesso. Através daqueles aparelhos receptores ouviam-se os resultados da extração das 16h. O Estado da Paraíba era o único do país onde o jogo do bicho não sofria perseguições dos “delegados” da época. O jogo era legalizado. Os resultados eram divulgados por meio de códigos. Os códigos eram letras. Cada letra representava um número. Por exemplo, o código da palavra PERNAMBUCO. O P possuía o valor do número 1, o E do 2, o R do 3, e assim até a letra O que possuía o valor do número zero. Bicheiros, cambistas e apostadores “pegavam” os resultados na Rádio Tabajara de Cajazeiras.

Confesso: eu era um especialista em decifrar sonhos. Dificilmente errava. Sabia de cor os números das placas de dezenas de carros e de casas. O que eu mais gostava mesmo eram os 20% da porcentagem do meu “apurado”.

Não minto, sinto saudade dos cambistas daqueles tempos idos: seu Biato (assinava, no pule, BF), dona Maria (assinava MGL), seu Benedito barbeiro (assinava BB), seu Elídio (difícil esquecer a sua malinha preta e os gorós que ele tomava nos dias de sábado), seu Sebastião, dona Jacira, seu Antônio Lima, seu Valdomiro, “macauba”, seu Jeremias, seu Biu “coronha”, seu Décio ( pai de Vavá da Banca Esperança), seu Chico Barbeiro…

Pois é, o jogo do bicho também faz parte da minha cronologia de vida.

Escrito por Ivo Júnior – Publicada originalmente no Blog Wilson Monteiro

Um comentário sobre “O jogo do bicho

  1. machado freire

    Poeta, o teu relato é esclarecedor e vai fundo na coisa que está “impregnada” na cultura popular.

    Antes de ser um “vício” o jogo do bicho – que é contravenção penal em alguns estados brasieliros, na Paraíba e Pernambuco é “consentido” (os os governos e as autoridades policiais e da Justiça não dão maior importância) porque faz parte da cultura do povo e gera emprego para muita gente.

    E por falar em repressão, durante a ditadura, o governador Nilo Coelho me disse (numa entrevista em l978), que “comeu o diabo” por causa do jogo do bicho. “Fui acusado de ter acabado comm o jogo do bicho, mas quem acabou com o jogo do bicho foi o Exército”, revelou Nilo Coelho.

    Só que o jogo do bicho foi fechado em Pernambuco mas na Paraíba (“mulher macho sim, senhor”) o jogo correu a solto durante o regime militar e continua “liberado”

    O governador Ernani Sátiro” ele colocou o regime em xeque: “me deem emprego para 30 mil famílias que eu fecho o jogo do bicho”, disse Eernnani Sátiro, referindo-se ao número de campistas que operavam o jogo do bicho no Estado da Paraiba do grande José Amérioco de Almeida.

    São coisas desse tipo, poeta, que muita gente (inclusive do nosso tempo) não encarou.

    Mas nós estamos ai, jogando conversa fora…

    Vai dar cobra na cabeça….