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O odor nauseante dos presídios misturado ao sangue

O odor de todos os presídios é uma mistura nauseante de fezes, urina, esgoto, suor, roupas sujas e emboloradas, doenças de pele e do couro cabeludo, corpos sujos e comida azeda. É assim em todos eles, embora distantes quilômetros um do outro.

Talvez os detentos e agentes penitenciários não sintam mais esse odor. Suas narinas já se acostumaram. Na verdade, diante de tanto horror nos presídios, esse odor nauseante torna-se um detalhe insignificante. Para os detentos, por exemplo, pior é a tortura, a falta de qualquer expectativa ou oportunidade dentro do presídio e, principalmente, a possibilidade concreta de morrer a qualquer momento.

Apesar disso, esse odor não deixa de ser absurdamente nauseante e de impregnar as roupas e o corpo inteiro de quem visita um presídio. O vômito se prepara várias vezes. As “quentinhas” com comida azeda se espalham por toda parte. Detentos suados, sujos, feridentos, um calor insuportável, o mau hálito daqueles que insistem em lhe falar de perto. É preciso segurar o vômito. Detentos com todos os tipos de doenças, dentes podres, pés descalços, frieiras entre os dedos e até com bolsas de colostomia abarrotadas de fezes. O estômago embrulha e a cabeça também. É impossível sair incólume de um presídio brasileiro. Eu não saí!

Então por tudo o que vi e ouvi nos presídios que inspecionei como conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), não creio na possibilidade de que os detentos do sistema prisional brasileiro tenham alguma chance de mudarem suas vidas na prisão. A possibilidade é quase zero. Na ociosidade, sem saúde, sem dignidade, humilhados e torturados, sem saúde e educação o que lhes resta senão o ódio? Na verdade, é certo que cumprirão suas penas ou terão o benefício da progressão de regime ou mesmo a liberdade condicional, mas também é certo que voltarão para a mesma comunidade em que nasceram, a mesma falta de oportunidades, sem escolaridade e sem profissão, pobres, negros, periféricos e, para agravar definitivamente sua situação, será um ex-presidiário e com tarefas da facção para serem executadas. A possibilidade da reincidência, portanto, é quase inevitável. Ou, quem sabe, a morte prematura.

Na verdade, o sistema penitenciário brasileiro é uma grande ilusão para o sistema de justiça criminal, ou seja, imagina-se que se está segregando bandidos perigosos para que se recuperem e retornem ao convívio social, mas na verdade está transformando pessoas em monstros sem possibilidade alguma de recuperação. Assim, o sistema de justiça criminal, ao contrário do que se propõe, não passa de um colaborador eficaz do crescimento da violência e da criminalidade, lamentavelmente. Mais lamentável ainda é saber que esse sistema de justiça, como se vendado ou mesmo cego, continua alimentando essa máquina de fabricar monstros na vã esperança de que está cumprindo seu papel social.

Enfim, estamos todos em um longínquo beco sem saída. De um lado, prende-se muito e muito mal. De outro lado, essas pessoas presas, em contato com o sistema prisional, tornam-se pessoas sem qualquer possibilidade de recuperação e, muitas das vezes, tornam-se infinitamente piores do que eram antes do presídio. Apesar disso, inertes e embriagados pelo poder e maldade, não conseguimos pensar em algo diferente do atual sistema. Promotores e juízes não se importam em condenar e encaminhar seus condenados para esse sistema, lavando as mãos e se justificando sob a falsa premissa de que agora a responsabilidade é do poder executivo. Na verdade, somos todos responsáveis por esse caos e violações grotescas das garantias constitucionais e dos tratados internacionais.

O que se indaga, finalmente, é para que serve esse sistema?

Ora, se é certo que não recupera os detentos, que não oferece as mínimas condições de dignidade, saúde, trabalho e educação, por que continuamos a condenar pessoas e encaminhá-las para cumprimento de pena nesse sistema? Alguns podem responder, com simplicidade e conveniência, que assim o é porque não temos ainda outra alternativa. Não percebem, porém, que esse argumento significa exatamente o referendo da maldade e da continuidade de um sistema que promove mais violência e criminalidade.

Por fim, muito lamentavelmente, na atual conjuntura de avanço do fascismo e das violações dos direitos humanos e de outras conquistas históricas da humanidade, outros irão responder que o sistema foi pensado para ser exatamente o que é, ou seja, o grande palco da espetacular vingança da sociedade em que os condenados podem ser mutilados, torturados, vilipendiados, mortos, decapitados e esquartejados; o grande palco em que os condenados sejam meros objetos do sadismo e da maldade dos agentes do sistema de justiça criminal e do sistema prisional; enfim, o grande palco do espetáculo do processo penal completamente desfigurado e divorciado da constituição e dos tratados internacionais.

Nesta esteira de maldades, por último, acrescenta-se às essências dos odores do presídio, o cheiro de sangue. Agora, misturado ao cheiro de fezes, urina, esgoto, suor, roupas sujas e emboloradas, doenças de pele e do couro cabeludo, corpos sujos e comida azeda, o cheiro de sangue das chacinas predomina no ambiente carcerário brasileiro. Para a elite brasileira que usa perfume e exala bons cheiros e para os agentes do sistema de justiça criminal que lava as mãos ao condenar e que não conhece a realidade dos presídios do Brasil, vez que nunca sentiram o odor nauseante dos presídios, o acréscimo do cheiro de sangue fresco dos presos decapitados em nada importa. O gozo, o prazer e a indiferença com o outro é o que importa. O problema, como diz o professor Alvino de Sá, é que hoje os presos estão contidos, mas amanhã estarão contigo!

Por Gerivaldo Neiva

4 comentários sobre “O odor nauseante dos presídios misturado ao sangue

  1. Carlos Alberto da Silva

    Atenção Dr Edilton ,secretario de saude de Salgueiro tem gente que está trabalhando no TFD que está pedindo dinheiro para arrumar vaga para as viagens para Recife e é gente que entrou agora no TFD e tenho certeza que nem o Senhor e nem Clebel aceita isso,

  2. ANTONIO lNACIO DOS SANTOS

    Temos que fazer uma avaliação ampla da situação,são seres humanos que estão ali,recolhidos pelo poder público para pagarem por seus erros, creio eu que enquanto o governo estiver aplicando tão pouco e com tanta diferença na educação vamos ter mais e mais presos em nossos presidios,pois levantamento feito sobre a questão,constatou que enquanto um preso custa R$ 4.700,00 por mês o governo gasta R$ 2.500,00 por ANO com um aluno do ensino médio isso é triste e precisa de uma reforma urgente para termos mais cidadãos e menos deliguente.

  3. Alvinho Patriota

    Meu Deus, que cena triste!

    Tanto avanço na nossa sociedade; quantas teses surgem a cada dia; estudos e mais estudos; despesas exorbitantes do Poder Público, advindas dos impostos que pagamos…

    Por que não se aplicam formas alternativas de cumprimento de penas, que não sejam o entulho humano em celas superlotadas?

    Exemplo, o infrator ser condenado a reparar as famílias às quais ofendeu na proporção do dano;

    Ele mesmo pagar todas as suas despesas na proporção dos custos por Unidade Prisional – só assim essa carga sairia das costas da população;

    Construção de escolas contíguas aos presídios, facultando estudos aos presidiários, sob pena de, ao invés de redução, aumento de pena. Idem, oficinas e outras formas de trabalho.