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O Golpe: antes e depois

Na década de 1960, após alguns governos mais voltados para reformas populares, o país vivia um momento de afirmação como nação independente e soberana. Quando João Goulart, o Jango, foi eleito vice-presidente, em 1960, o presidente e seu substituto eram escolhidos separadamente. O conservador Jânio Quadros renunciou ao cargo em 1961, deixando a Presidência a Jango, o manco com tendências comunistas.

Desde o princípio, os militares mais conservadores tentaram impedir a posse de Goulart. Primeiro empossaram o presidente da Câmara no seu lugar e logo em seguida veio o parlamentarismo, com Tancredo Neves como primeiro-ministro. Somente em 1963 ele teve plenos poderes de presidente e iniciou um governo reformista, visando à reforma agrária, ao combate ao analfabetismo – concedendo até mesmo o direito de voto a quem não sabia ler –, entre outras medidas que aterrorizaram os conservadores do país.

Criticado por suas medidas, Jango passou a participar de comícios e manifestações que defendiam seu governo. Em 19 de março de 1964, a oposição organizou uma manifestação contra as medidas tomadas por Jango, contraditoriamente chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Milhares de religiosos, conservadores das classes média e alta, além de militares, foram às ruas, marcando o que seria o pontapé dos 21 anos de muita repressão.

No entanto, isso tudo fazia com que, no ponto de vista da Guerra Fria, os norte-americanos se sentissem acuados. Com toda a movimentação de apoio às reformas no Brasil e os exemplos das revoluções socialistas e de libertação nacional que ocorreram pelo mundo, o governo dos Estados Unidos resolveu intervir. Assim surge o golpe militar de 1964. As intervenções americanas levaram a uma sequência de golpes em toda a América Latina, que resultaram na perseguição e morte de um enorme número de pessoas.

No dia 31 de março daquele ano tropas do Exército se deslocaram para o Rio de Janeiro e colocaram João Goulart na parede: ele teria que escolher entre os militares ou os sindicalistas. Sua escolha foi se exilar no Uruguai para evitar uma guerra civil. No dia da mentira os militares tomaram posse, entulhando as ruas das principais cidades do país de militares armados.

Dez dias depois, o Ato Institucional número 1 entrava em vigor, dando ao governo militar o poder de mudar a constituição, anular mandatos legislativos, cassar os direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que fosse contra a “revolução”. A partir daí eles também podiam determinar eleições indiretas para a Presidência da República.

Os primeiros anos

No dia 2 de abril o Congresso Nacional declarou que a Presidência da República estava vaga e deu posse ao presidente da Câmara dos Deputados, que permaneceu apenas ilustrativamente no comando até o dia 15 de abril, quando o primeiro presidente militar, Humberto de Alencar Castelo Branco, tomou posse.

Durante seu pronunciamento, o presidente se disse defensor da democracia, porém estabeleceu eleições indiretas para a Presidência, dissolveu os partidos, cassou os mandatos de vários políticos, além de intervir nos sindicatos. Foi durante o seu governo que foi instituído o bipartidarismo, com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – oposição controlada – e a Aliança Renovadora Nacional (Arena) – representante dos militares.

Foi ainda sob o seu comando que o governo militar impôs uma nova Constituição, em 1967, que institucionalizou as formas de atuação da ditadura. A partir daí, até mesmo os meios de comunicação e os artistas passaram a ser censurados. Mas o pior ainda estava por vir.

O AI-5

Ainda em 1967, o general Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência. A oposição ao regime militar cresceu no país durante o seu comando, com inúmeros protestos, como a Passeata dos Cem Mil, organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) no Rio de Janeiro. Em abril de 1968, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, aconteceu a primeira grande greve dos trabalhadores durante o regime.

No dia 16 de abril, 1.200 trabalhadores da Belgo-Mineira iniciaram uma paralisação. Eles pediam aumento imediato de 25% nos salários, sendo que a empresa oferecia apenas 10%. A greve durou 15 dias e, apenas nos três primeiros deles, já atingia Mannesmann, SBE, Belgo de João Monlevade e a Acesita, somando um total de 20 mil trabalhadores paralisados. No dia 1º de maio, Costa e Silva autorizou o reajuste salarial, finalizando o movimento, que inspirou em julho os metalúrgicos de Osasco (SP).

Ao mesmo tempo, a repressão forçou o surgimento da guerrilha urbana, formada por jovens de esquerda que começaram a se organizar. Colocados na marginalidade, os guerrilheiros passaram a assaltar bancos e praticar sequestros, visando arrecadar dinheiro para manter a oposição armada.

Foi por conta de toda a resistência encontrada que os militares resolveram, no dia 13 de dezembro, decretar o famoso Ato Institucional número 5 ( AI-5 ), o mais duro do governo militar. O ato aposentou juízes, cassou mandatos, acabou com as garantias do habeas corpus e deu um aval maior ainda à repressão.

Doente, Costa e Silva deixou a Presidência em agosto de 1969, sendo que o mais cruel dos generais ainda estava por vir.

Os anos Médici

Com a enfermidade do presidente, a junta militar formada pelos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica ficou no comando do país por meses. Porém, apesar do curto período de tempo, acontecimentos marcantes ocorreram durante esse período.

O embaixador dos EUA Charles Elbrick foi sequestrado por grupos guerrilheiros de esquerda, que conseguiram em troca a libertação de 15 presos políticos. Como resposta, a junta militar decretou a Lei de Segurança Nacional, que permitia o exílio e a pena de morte para autores de guerra psicológica “adversa, revolucionária ou subversiva”.

No dia 30 de outubro de 1969, o general Emílio Garrastazu Médici foi escolhido pela junta militar para ser o próximo “representante” do país. Foi sob suas mãos de ferro que o país viveu cinco longos anos, mais conhecidos como “anos de chumbo”.

Neste período a luta armada passou a ser literalmente caçada, sem falar na censura, que passou a funcionar a todo vapor. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes, músicas e outras formas de expressão artística só podiam vir à tona com o consentimento de militares. Foi então que ainda mais pessoas foram presas, torturadas e exiladas do país.

Em novembro de 1969 morreu, em uma emboscada da polícia, Carlos Marighella, o baiano que liderava a Ação Libertadora Nacional (ALN). O guerrilheiro foi cruelmente assassinado após a prisão e tortura de freis dominicanos que auxiliavam a ALN.

Ainda durante os “anos de chumbo”, a guerrilha rural do Araguaia ganhou força. Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) em 1967, o objetivo era seguir o exemplo de Cuba e China, com uma revolução socialista que começaria no campo e tomaria o poder dos militares. A guerrilha foi fortemente combatida a partir de 1972, sendo que, em 74, menos de 20 do total de cerca de 80 militantes ainda estavam vivos.

Foi entre 1969 e 1973 que ocorreu no país o período tão exaltado pelos apoiadores da ditadura: o “milagre econômico”. O PIB brasileiro crescia com uma taxa recorde de quase 12% ao ano. Ao mesmo tempo a inflação chegava aos 18%. O “milagre” foi consequência dos investimentos internos através de empréstimos no exterior.

Empregos foram gerados em todo o país através de grandes obras de infraestrutura, algumas delas, gigantescas, como a ponte Rio-Niterói e a Transamazônica. Porém, todo o dinheiro gasto deveria ser pago no futuro, o que gerou uma enorme dívida externa para o país.

“Distenção lenta, gradual e segura”

Foi com essas palavras que o general Ernesto Geisel anunciou o processo de redemocratização, que ainda levaria mais de 10 anos para se concluir. Ele assumiu o governo ainda em 1974, com a insatisfação popular com níveis altíssimos, já que o chamado “milagre econômico” acabara e uma crise mundial atingia o país.

Ao mesmo tempo o MDB, a oposição permitida, ganhou nas eleições de 1974 a maioria no senado e a maioria das prefeituras do país. Descontentes com a redemocratização pretendida por Geisel, militares fizeram diversos a ataques clandestinos contra a esquerda do país.

Em 79 o general João Baptista Figueiredo assume a presidência e rapidamente decreta a Lei da Anistia, que permite o retorno dos exilados políticos ao país. Mesmo assim militares continuaram a repressão na clandestinidade, chegando a enviar cartas bomba para a imprensa e até à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Ainda em 1979 o governo restabeleceu o pluripartidismo ao país, transformando a ARENA em PDS e o MDB em PMDB. Foi aí que o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) foram criados.

Em 1984 milhões de brasileiros iniciaram o movimento Diretas Já, que pedia a eleição direta para presidente naquele ano. O pedido não foi atendido, mas no dia 15 de janeiro de 1985 o deputado Tancredo Neves era escolhido pelo Colégio Eleitoral como novo presidente do Brasil.

Infelizmente, o mineiro que daria fim aos 21 anos de repressão ficou doente e morreu antes de tomar posse, fazendo de seu vice, José Sarney, o primeiro presidente não militar após a ditadura. Em 1988 uma nova constituição, que apagava parte da herança maldita da repressão, foi aprovada no país, trazendo de volta a democracia.

Fonte: O tempo