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Dia internacional da reflexão

Nessa semana participei, em Brasília, de um seminário sobre a Lei Maria da Penha, promovido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Um tema bastante atual, e até oportuno, considerando que hoje é o Dia Internacional da Mulher. Na ocasião, pude rememorar as discussões que possibilitaram a formatação do projeto, e avaliar as conquistas da implementação da Lei, assim como a vislumbrar os desafios que ainda temos pela frente.

Como relatora da proposta no Senado Federal, tive a grande oportunidade de me debruçar sobre o tema, a um só tempo tão delicado quanto corajoso. Delicado por trazer à pauta das políticas públicas um problema endêmico, não somente no Brasil, mas em todo o mundo, que é a violência vil e covarde ao gênero feminino. E corajoso por enfrentar o silêncio envergonhado de uma sociedade e de um Estado que desprezavam por completo o direito – e o desejo – de milhões de brasileiras de sentirem-se efetivamente protegidas, dentro de um ambiente que lhes deveria ser de paz, amor e aconchego: o próprio lar.

Todos nós acompanhamos, com todo o interesse, as repercussões da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, em 2006, principalmente quanto ao impacto que ela teria sobre a violência contra a mulher, uma mancha terrível da sociedade brasileira.

Também nessa semana, foi aprovado o Projeto de Lei 8305/14, do Senado, que considera homicídio qualificado o assassinato de mulheres em razão do gênero – o feminicídio. A matéria, que muda o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), foi enviada à sanção presidencial.

Segundo a proposta, considera-se que o assassinato ocorreu em razão do gênero da vítima quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher. Nesse caso, a pena prevista será a reclusão de 12 a 30 anos.

O texto aprovado também classifica o feminicídio como crime hediondo, constante da Lei 8.072/90. Dessa forma, a lei passa a fazer com que quem cometer o assassinato de mulheres tenha que cumprir um período maior da pena no regime fechado para pedir a progressão a outro regime de cumprimento de pena. É exigido ainda o cumprimento de, no mínimo, 2/5 do total da pena aplicada se o apenado for primário; e de 3/5, se reincidente.

Um estudo realizado pelo Ipea, intitulado “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, indica que, ao contrário do que poderíamos esperar, com exceção do ano de 2007, imediatamente após a sanção da Lei, os índices voltaram a subir em termos da violência contra a mulher: a taxa de mortalidade foi de 5,28 por 100 mil mulheres no período de 2001 a 2006, antes da Lei, e de 5,22 no período de 2007 a 2011, após a lei. Em síntese, os dados revelam que a redução foi insignificante, pois ainda está ocorrendo uma morte a cada hora e meia no Brasil atualmente.

Embora tenhamos alcançado alguns avanços, ainda temos 4,4 assassinatos a cada 100 mil mulheres, colocando o Brasil no 7º lugar no ranking de países nesse tipo de crime.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, foram realizadas 26.416 prisões em flagrante e 4.146 prisões preventivas, entre 2006 e 2011. E dados da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Goiás mostram que, no Estado, durante o ano de 2013 tivemos 5.950 ocorrências entre lesão corporal, ameaças, injúrias e estupros. E em 2014, tivemos um aumento para 6.932 ocorrências – um aumento de 16,5%.

A delegacia informa que tem havido, ano a ano, um aumento nas ocorrências e que está sendo analisado o que, de fato, está acontecendo: se é um aumento dos crimes ou um aumento das denúncias, por uma maior conscientização da população.

A grande dificuldade ainda enfrentada é que o crime contra a mulher é um crime silencioso, que ocorre, em sua maioria, dentro do lar.

Entendo que junto com a ação repressiva têm que ser colocadas em prática ações preventivas e educativas. Há uma questão cultural que tem que ser superada e isso leva um tempo.

As mudanças têm sido mais aceleradas nas grandes cidades, principalmente porque os municípios menores não contam com o instrumental necessário de políticas públicas que atendam às situações, além de haver uma maior retração por parte da população nas denúncias.

Na solução dos problemas atuais, cabe ao Estado o papel principal: o combate à impunidade, a efetiva aplicação da lei, e a promoção da Justiça.

Este deve ser um trabalho de comprometimento com resultados. A Lei Maria da Penha não pode ser vista apenas como um marco regulatório ou um diploma jurídico. Mas, sobretudo, deve ser vista e compreendida como um instrumento de pacificação social com fundamentos, valores e conceitos.

Por isso, não tenho dúvidas: o maior desafio para o combate à violência doméstica e familiar, hoje, passa pela capacitação técnica dos operadores do Direito e servidores públicos envolvidos direta ou indiretamente com o combate à violência doméstica contra a mulher, sem perder de vista os investimentos públicos.

Não podemos nos acomodar e nem deixar de lutar por esse tema que provoca a indignação daqueles que desejam um país melhor e mais justo. Portanto, hoje não vou somente desejar um feliz dia a todas as mulheres. Quero conclamá-las à reflexão e à mudança que precisamos realizar em cada lar que ainda sofre com a violência doméstica, para, enfim, alcançarmos a mudança global que desejamos. 

Por Lúcia Vânia, senadora (PSDB-GO), ouvidora-geral do Senado e jornalista