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Considerações sobre o Mais Médicos

Estamos assistindo, como um verdadeiro espetáculo midiático, a repercussão do Programa Mais Médicos, lançado pelo governo federal.

Os nossos indicadores de saúde colocam-nos, em comparação com os demais países, em posições não compatíveis com o atual estágio de crescimento econômico brasileiro. A incompatibilidade desses indicadores, saúde versos economia, é mais uma demonstração de que o crescimento, como conceito quantitativo, não significa, necessariamente, desenvolvimento, como qualidade de vida que todos almejamos para a nossa população.

Indiscutivelmente, não se fala em desigualdade no Brasil sem que seja referenciada a problemática da saúde. A ausência de médicos nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos e nos rincões do nosso País é, pois, uma problemática a ser atacada com todo o vigor que se possa imprimir em termos de políticas públicas.

Exatamente por tratar-se de um problema tão grave, que penaliza tanto a nossa população, é que a saúde não pode ser tratada com medidas paliativas, imediatistas, sem levar em consideração um projeto de País e de políticas públicas de saúde que, por serem justas e solidárias, devem trazer a marca da equidade, da justiça e da ética. Afinal, quando se fala em saúde, está-se tratando do bem estar do ser humano e, por extensão, de toda a sociedade.

Como parlamentar sinto uma obrigação inarredável de analisar o Programa Mais Médicos em todas as suas facetas. Se analisarmos os dados da demografia médica brasileira, que nos chegam tanto através do IBGE, quanto por meio do relatório Demografia Médica Brasileira, publicado pelo Conselho Federal de Medicina, em fevereiro de 2013, existem, de fato, 400 mil médicos no Brasil, mas, também, uma enorme desigualdade na distribuição dos profissionais.

Nos últimos 42 anos, de 1970 a 2012, o Brasil passou de 59 mil médicos para cerca de 400 mil. Um aumento de 558%, contra um crescimento populacional de 102%. Em média, o País tem 2 profissionais por 100 mil habitantes, o que é um índice aceitável pela Organização Mundial de Saúde. Entretanto, as Regiões Norte, com 1 profissional, e Nordeste, com 1,2 médicos por mil habitantes, estão abaixo da média nacional. A Região Sudeste tem uma relação médico por habitante duas vezes maior que a do Nordeste.

Existe, sim, um problema de distribuição de médicos no Brasil: há um desequilíbrio na repartição geográfica e uma concentração de profissionais que favorece o setor privado de saúde. Isso quer dizer que convivemos tanto com carências, quanto com altas densidades de médicos.

A análise que fazemos do Programa Mais Médicos é, em primeiro lugar, se ele se constitui numa política pública de saúde de efeitos duradouros ou se é simplesmente uma medida para atender a um momento pré-eleitoral do país. Será que é possível fazer uma política pública baseada somente no número de médicos em determinadas regiões? Acredito que a “falta de médicos” não pode ser o único foco.

Por outro lado, que adianta autorizar novos cursos e novas vagas em cursos de Medicina, sem a mínima qualidade na graduação, sem dizer da ausência de vagas na residência médica?

Entendo, também, que a importação de médicos, seja de qual país for, deveria passar por uma discussão no Conselho Nacional de Saúde, com as entidades representativas dos profissionais de saúde do País e com o Congresso Nacional. Mais uma vez nos vemos na contingência de “aprovarmos” a toque de caixa uma política de tão grande alcance para a sociedade brasileira.

No caso dos médicos cubanos, especificamente, enquanto eles não tiverem no Brasil as condições de trabalho iguais a todos os outros médicos, estaremos compactuando com uma verdadeira forma de servidão, que mais do que desdouro para o servidor médico, é uma vergonha para o Brasil como empregador. Afinal somos ou não somos uma democracia, em todas as nossas relações? Ainda mais, como aceitar que eles, os cubanos, não possam trazer suas famílias e recebam menos do que os outros?

E o sistema de pagamento em forma de bolsa e não de salário? É uma forma de fugirmos aos encargos trabalhistas, prejudicando a todos os médicos que vão enfrentar situações difíceis pelo interior do Brasil?

Por fim, se essa política, aplicada numa verdadeira correria, focar apenas no número de médicos, estamos nos esquecendo da ausência de condições dos hospitais e postos de saúde pelo País: falta de aparelhos para exames básicos, macas, condições higiênicas e, até, papel para prontuários.

Chamo a atenção, portanto, para uma discussão séria sobre o Mais Médicos. Não se trata de rejeitar, simplesmente, mas de considerá-lo à luz das reais condições do País e não esperarmos que a simples multiplicação numérica de médicos vá resolver os problemas da saúde brasileira.

Pela proposta orçamentária, encaminhada ao Congresso na semana passada, pouco se previu de aumento de recursos para a saúde. Mais precisamente 5,98% de aumento. E de onde virá o dinheiro para cobrir o Mais Médicos, que deverá custar R$ 2,8 bilhões? Das emendas parlamentares ou de cortes de outros programas?

Para maior transparência, o governo federal deve responder a todas essas perguntas.

Por Lúcia Vânia, senadora (PSDB) e jornalista