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Livro sobre desaparecida política revela ao mundo Brasil ‘desconhecido’

Um livro que narra a busca de um pai por sua filha desaparecida política durante a ditadura militar no Brasil está surpreendendo editores estrangeiros ao revelar um capítulo pouco conhecido da História brasileira – ao menos no exterior.

Publicado no Brasil em 2011, o livro K, do escritor e cientista político paulistano Bernardo Kucinski, já ganhou traduções em inglês, espanhol e catalão, e será publicado também em alemão e iídiche.

Obra de ficção, o livro é baseado nas histórias reais do pai do autor, Majer Kucinski – o personagem K -, um judeu polonês que fugiu do nazismo e foi viver no Brasil, e da irmã do escritor, Ana Rosa Kucinski Silva.

Militante política e professora de química da Universidade de São Paulo (USP), Ana Rosa foi sequestrada e morta por agentes a serviço do governo militar. Seu corpo jamais foi encontrado.

O ex-delegado do Dops Cláudio Guerra confirmou, em entrevista ao jornalista Alberto Dines, exibida em 2012 pelo programa de TV Observatório da Imprensa, que recebeu o corpo de Ana Rosa, que teria sido morta em sessão de tortura, para ser incinerado.

Em entrevistas à BBC Brasil, intelectuais e pessoas envolvidas na publicação de K no exterior disseram que o livro chama a atenção ao revelar para o mundo, em um relato comovente e envolvente, o drama humano por trás da realidade violenta da ditadura militar no Brasil.

Em um momento em que a Comissão da Verdade se esforça para recuperar a história desse período, o lançamento internacional também contribuiria para aumentar a pressão externa sobre o governo brasileiro para que tome providências e puna os culpados, disseram.

Bem x Mal

A versão alemã de K será lançada pela editora berlinense Transit durante a Feira do Livro de Frankfurt, que neste ano estará homenageando o Brasil.

Segundo o editor, Reiner Nitsche, o foco em temas brasileiros fez com que ele recebesse muitas ofertas de obras do país para publicação. Mas nenhuma chamou tanto sua atenção como K.

‘Nunca associamos histórias de sequestros e desaparecimentos ao Brasil. Pensávamos que essas coisas só tinham acontecido na Argentina e no Chile’.

‘Outro ponto importante é a conexão com a história alemã. K nasceu na Polônia na década de 30 e era ativo politicamente, combatendo o antissemitismo. Por isso, foi preso e mais tarde teve de fugir para o Brasil. Anos depois, sua irmã foi morta pelos nazistas.’

Para Nitsche, no entanto, a principal justificativa para a decisão de publicar a obra na Alemanha é a forma como o livro aborda a temática política.

Em K, a comovente busca do personagem central por sua filha é narrada de vários pontos de vista. O leitor habita a mente do pai desesperado, do informante, da amante do torturador, da faxineira que limpa a casa onde os prisioneiros são torturados e mortos, dos ex-colegas da desaparecida na universidade e dos militantes clandestinos que lutam contra a ditadura, entre outros.

‘O tipo de verdade que você tem nessa história política é muito raro de encontrar’.

‘Isso é muito novo e interessante para nós, porque você percebe que a ditadura é cruel mas os militantes também podem ser cruéis, seus métodos são similares’.

Nitsche faz referência a um capítulo em que um militante político critica seu próprio líder por não ter permitido que os integrantes do grupo questionassem suas ações.

‘O que os militantes estavam fazendo era suicida e alguns perceberam isso, mas não tiveram permissão de questionar ou de abandonar a luta’, disse.

‘Se você quiser mudar a cabeça das pessoas, tem de publicar livros como esse, não histórias de bonzinhos e malvados’, acrescentou o editor. ‘O livro mostra a crueldade terrível da ditadura militar. Mas no decorrer da história, K se dá conta de quantas pessoas estão colaborando com a ditadura. O padeiro, a imprensa, a comunidade judaica em São Paulo’.

Nitsche disse que já recebeu comentários positivos da imprensa alemã sobre K e espera que o livro cause algum impacto no período do lançamento, no final de agosto.

Fonte: R7