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Juan Manuel Santos: o guerrilheiro da paz

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, estava visivelmente abatido. Seus olhos vermelhos e levemente marejados contrastavam com o momento, que deveria ser feliz. No começo da manhã da sexta-feira (7), Santos recebeu a notícia de que ganhara o Prêmio Nobel da Paz. Era um reconhecimento de seus esforços de celebrar um acordo que desse cabo do mais longo conflito civil da América Latina, com 52 anos de duração, o embate entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, a milícia marxista surgida durante a Guerra Fria. Conhecido como a guerra sem fim dos trópicos, o conflito causou a morte de 220 mil pessoas, 80% delas civis. Em um cálculo conservador, um total de 8 milhões de pessoas foram, de alguma maneira, vítimas do enfrentamento entre os grupos guerrilheiros, os paramilitares e o Exército. “Recebo este prêmio com muita emoção. É algo muito importante para o povo do meu país, para o povo que sofreu com a guerra, especialmente as vítimas. É um grande reconhecimento para o meu país e o recebo com toda a humildade”, disse Santos, quase às lágrimas.

O motivo da tristeza de Santos: no domingo (2), ele sofreu a maior derrota política de sua carreira, quando o acordo de paz foi rejeitado pela população colombiana em um plebiscito que o próprio Santos fez questão de convocar. O que deveria ser o grandioso ato final do processo de paz, chancelado democraticamente nas urnas, se tornou o maior pesadelo da carreira política de Santos. Tudo parecia encaminhado. Depois de quatro anos de um exaustivo e penoso processo, mediado pelo governo cubano, com respaldo dos Estados Unidos, o acordo foi selado.

Nas urnas, no entanto, o povo colombiano fez questão de apagar a luz que Santos lutou tanto para acender. Cerca de 50,2% dos colombianos votaram “não”, contra o acordo de paz, e 49,7% votaram no “sim”. A diferença de pouco mais de 54 mil votos jogou a Colômbia em um beco político, lançou o acordo em um limbo político e evidenciou a falta de lideranças políticas no país. A vitória do “não” só foi possível graças a uma abstenção maciça: apenas 34,7% da população colombiana foi às urnas – o índice mais baixo da história do país.

A derrota da paz pelas urnas tem uma série de explicações. O comparecimento eleitoral foi especialmente baixo nas zonas costeiras do Caribe do país, provável consequência de chuvas torrenciais provocadas pelo Furacão Matthew. É lá que Santos tem o maior apoio político, e onde pesquisas indicavam uma  vitória acachapante do “sim”, com mais de 75% de liderança. No Departamento de La Guajira, por exemplo, a participação foi de apenas 19%. O “não” teve vitórias importantes em áreas urbanas, lugares cujo conflito vitimou um número relevante de pessoas, como Antioquia. Mas a vasta maioria das regiões do interior do país, diretamente afetadas pelo narcotráfico e pela violência do enfrentamento entre Estado e guerrilha, optou pelo “sim”. “O que dói hoje não é o medo de que o conflito se reinicie amanhã. O que dói é ver que todas essas regiões distantes e abandonadas do país vão seguir esperando a presença do Estado, a garantia de direitos e participação política”, escreveu a filósofa colombiana Ana María Araoz.

A votação também deixou claras a falta de lideranças políticas e a enorme polarização que existe na Colômbia. Foi uma abstenção em resposta ao crônico clientelismo e à crescente corrupção que assolam o país. O ex-presidente Álvaro Uribe, o maior porta-voz do “não”, foi o único político que soube mobilizar a população. “A paz é entusiasmante. Os textos de Havana são decepcionantes”, disse Uribe depois de votar. O acordo negociado em Havana e assinado em Cartagena prevê a desmobilização e o desarmamento das Farc, um programa de reintegração de ex-guerrilheiros na sociedade e um plano para desmantelar as estruturas de narcotráfico associadas a eles. Um tribunal de transição julgaria penas entre cinco e oito anos para culpados de violações. Em contrapartida, os guerrilheiros colaborariam na investigação e admitiriam os crimes. Haveria, ainda, um fundo de terras para trabalhadores rurais e um programa para plantadores de coca para mudarem seus cultivos. Um dos pontos mais polêmicos é que as Farc poderiam participar de eleições como um partido político.

Fonte: Época