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Crise no Paraguai por acerto sobre Itaipu cresce e envolve vice-presidente

A crise política desencadeada no Paraguai após a revelação de negociações secretas com o Brasil nas quais o governo paraguaio concordou em pagar mais pela energia da hidrelétrica binacional de Itaipu aumentou nesta quarta-feira.

Após congressistas terem cogitado pedir o impeachment do presidente, Mario Abdo Benítez, acusado de traição à pátria, o vice-presidente Hugo Velázquez foi alvo de acusações e pediu uma sessão extraordinária no Parlamento para dar explicações. Líderes da oposição, como o liberal Efrain Alegre, voltaram a falar em julgamento político do chefe de Estado e agora também de seu vice.

Nesta quarta-feira, o jovem advogado José Rodríguez González, que não ocupa cargo público formal, declarou ter atuado como assessor do vice-presidente paraguaio nas negociações com o Brasil. Ele disse à imprensa local que, por orientação de Velázquez, pediu a retirada de um dos pontos que seriam incluídos na ata firmada por autoridades dos dois países em maio, em Brasília, para supostamente garantir o sucesso de uma operação envolvendo o grupo brasileiro Leros, que passaria a comprar energia da Ande, a Eletrobras paraguaia.

Este ponto da ata —  que supostamente mencionaria um acordo de 2009, nunca regulamentado, pelo qual o Paraguai poderia vender parte de sua energia de Itaipu no mercado livre (direto ao consumidor) brasileiro, o que hoje é vetado —  teria sido retirado para não atrair concorrentes para o negócio, de acordo com a versão do advogado.

Procurado pelo GLOBO, Kleber Ferreira, diretor e fundador do grupo Leros, negou ter qualquer relação com os governos do Brasil e do Paraguai. Ele confirmou que seu grupo participou de um chamamento público feito pelo Paraguai para a compra de energia, enviando uma carta de intenção e os documentos solicitados. Mas afirmou desconhecer qualquer tipo de vinculação entre essa futura licitação pública e a negociação entre os dois países sobre Itaipu.

— Estamos no setor desde 2010, mas não temos ligação política alguma, com ninguém. Simplesmente atendemos a um chamamento feito pelo Estado paraguaio — disse Ferreira.

No Congresso, o vice-presidente paraguaio negou que Rodríguez fosse seu assessor jurídico, e disse que pediu que Pedro Ferreira, então presidente da Ande, recebesse o advogado na qualidade de representante de um grupo de empresas brasileiras interessadas em comprar energia paraguaia, “um sonho antigo do povo paraguaio”. Velázquez afirmou que essas conversas não tiveram nada a ver com a ata assinada pelos dois governos em maio. 

Velázquez informou ainda que o processo de venda de energia de Itaipu a empresas privadas começou em junho, quando foram convocadas companhias “nacionais e internacionais” interessadas. “Não há nada mais longe de que quisesse ajudar uma empresa determinada quando o próprio Ferreira [o ex-presidente da Andes] já havia comunicado ao ministro de Obras Públicas que havia quatro empresas brasileiras que registraram seu interesse em comprar energia da Ande para vender ao setor privado”, disse o vice-presidente.

Há divergências entre brasileiros e paraguaios — e entre os próprios paraguaios — sobre a possibilidade dessa venda no mercado livre. Ricardo Canese, especialista em energia e secretário de Relações Internacionais da Frente Guazú, do ex-presidente Fernando Lugo, afirma que o acordo que a permitiria foi selado por Lugo e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, em meio a uma série de revisões do Tratado de Itaipu, e que a venda pelo Paraguai já poderia ter acontecido mesmo sem a regulamentação. Já fontes paraguaias de Itaipu disseram que a legislação brasileira exige que, antes de o Paraguai poder vender livremente a energia que não consome, todas as dívidas da hidrelétrica sejam saldadas.

Fonte: O Globo