Decisão do Supremo Tribunal Federal deve estabelecer novo paradigma para plataformas digitais no Brasil.
O Supremo Tribunal Federal (STF) alcançou maioria para responsabilizar as redes sociais pelos conteúdos publicados por seus usuários. A decisão, que ainda terá seus detalhes e condições de aplicação definidos, representa um marco significativo na regulamentação do ambiente digital brasileiro, alterando a interpretação do Marco Civil da Internet.
Atualmente, o Marco Civil da Internet prevê que as plataformas digitais só são responsabilizadas por danos causados por conteúdos ofensivos se, após uma ordem judicial específica, não tomarem providências para remover o material. A discussão no STF girou em torno da necessidade de ordem judicial prévia para a remoção de conteúdos ilícitos.
Os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, relatores dos dois recursos em julgamento, votaram pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ambos defenderam que a responsabilização das plataformas não deve depender de uma ordem judicial prévia, mas sim da notificação extrajudicial pela vítima.
Para Toffoli, as plataformas devem agir a partir do momento em que forem notificadas extrajudicialmente sobre conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo. Em situações graves, ele defendeu que a remoção deve ocorrer mesmo sem notificação, responsabilizando as empresas caso não ajam.
Fux, por sua vez, também defendeu a remoção imediata de conteúdos ilícitos após notificação extrajudicial. Ele especificou que seriam considerados ilícitos conteúdos como discurso de ódio, racismo, pedofilia, incitação à violência, apologia à abolição violenta do Estado Democrático de Direito e a golpe de Estado. Fux propôs que as empresas criem canais de denúncia e monitorem ativamente as publicações.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, propôs que a responsabilização ocorra quando as empresas deixarem de tomar providências necessárias para remover postagens com teor criminoso. No entanto, para crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação, a remoção só deveria ocorrer após ordem judicial. Barroso também destacou o dever de cuidado das empresas em evitar conteúdos como pornografia infantil, instigação ao suicídio, tráfico de pessoas, atos de terrorismo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Em voto divergente, o ministro André Mendonça considerou o artigo 19 do Marco Civil da Internet constitucional, mas com a necessidade de interpretação conforme a Constituição. Ele defendeu que a remoção ou suspensão de perfis de usuários é inválida, exceto em casos de perfis comprovadamente falsos ou com atividade ilícita. Mendonça também afirmou que as plataformas têm o dever de identificar o usuário violador e que não podem ser responsabilizadas diretamente sem decisão judicial prévia em casos de opiniões.
O ministro Flávio Dino sugeriu uma tese em que a responsabilização dos provedores de internet, em regra, ocorreria pelas normas do artigo 21 do Marco Civil da Internet, que prevê responsabilidade quando a plataforma não retira o conteúdo após notificação extrajudicial. Para crimes contra a honra, ele defendeu a aplicação do artigo 19, com responsabilidade apenas após ordem judicial específica. Ele também ressaltou o dever das plataformas de evitar perfis falsos e robôs, aplicando-se a responsabilidade do Código de Processo Civil independentemente de notificação judicial ou extrajudicial.
Os ministros Cristiano Zanin e Gilmar Mendes também votaram a favor da responsabilização dos provedores de internet sobre conteúdo criminoso postado por seus usuários, alinhando-se à maioria formada por Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Flávio Dino.
Ainda que a maioria esteja formada, o Supremo buscará um consenso entre as diferentes propostas para definir as condições exatas e os limites da responsabilização das plataformas, visando a criação de uma tese a ser aplicada em processos futuros.