O pernambucano que revolucionou o ensino da medicina no Brasil e realizou a primeira cesariana do país.

José Correia Picanço, nascido em 10 de novembro de 1745 na vila de Goiana, Pernambuco, é considerado o patriarca da medicina brasileira. Filho de Francisco Correia Picanço, um cirurgião-barbeiro, e de Joana do Rosário, o jovem pernambucano cresceu em um ambiente modesto, onde desde cedo demonstrou interesse pela arte da cura praticada pelo pai, ainda que esta fosse, à época, uma simples técnica manual com pouco embasamento teórico.
Sua trajetória profissional começou no Recife, onde aprendeu os primeiros passos da profissão. Aos 21 anos, sua dedicação já havia chamado a atenção do Conde de Vila Flor, António Francisco de Paulo Manoel de Souza e Menezes, então governador da Província, que o nomeou Cirurgião do Corpo Avulso e Oficiais de Ordenança de Entrados e Reformados em 1766. Essa oportunidade foi o primeiro passo de uma carreira que o levaria além-mar.
Determinado a aprimorar seus conhecimentos, Picanço partiu para Lisboa, onde se matriculou na Escola Cirúrgica do Hospital São José. Ali, teve como mestre o barbeiro Manoel Constâncio, considerado genial por suas aulas magistrais de anatomia. Posteriormente, em 1765, seguiu para Paris, tornando-se discípulo de renomados mestres da cirurgia como Sabatier e Morand. Em 1789, conquistou o título de Doutor em Medicina, defendendo uma tese na prestigiada Universidade de Montpellier, na França.
De volta a Portugal, foi nomeado professor da cadeira de Anatomia, Operações Cirúrgicas e Obstetrícia da Universidade de Coimbra, onde lecionou por 18 anos. Seu grande mérito foi introduzir o uso de cadáveres humanos nas aulas práticas, uma inovação revolucionária para o século XVIII, quando ainda persistiam preconceitos e resquícios da Santa Inquisição. Essa abordagem pioneira transformou o ensino da medicina em Portugal.
A vida de Picanço tomou novo rumo quando, em 1807, acompanhou a família real portuguesa em sua fuga para o Brasil, fugindo das tropas napoleônicas. Como Cirurgião-mor do Reino, chegou a Salvador em 22 de janeiro de 1808. Apenas um mês depois, com autorização do Príncipe-Regente Dom João VI, fundou a primeira escola de medicina do Brasil, na Bahia. No mesmo ano, criou também a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro, libertando os brasileiros da dependência exclusiva da formação médica europeia.
Entre seus feitos notáveis está a realização da primeira cirurgia cesariana do Brasil, em 1817, no Hospital Militar do Recife, em uma paciente negra e escrava, que sobreviveu ao procedimento – algo extraordinário para a época, quando tal intervenção era raríssima e extremamente arriscada. Dois anos depois, em 1819, acompanhou o parto da primeira imperatriz do Brasil, Maria Leopoldina, quando nasceu D. Maria da Glória, que viria a se tornar a única rainha brasileira de Portugal.
Por sua contribuição inestimável à medicina brasileira, José Correia Picanço recebeu diversas honrarias, incluindo o título de Barão de Goiana em 1820. Faleceu no Rio de Janeiro em 23 de janeiro de 1823, aos 77 anos, deixando um legado que transformou para sempre o ensino e a prática da medicina no Brasil. Sua visão pioneira e seu compromisso com o avanço científico fizeram dele uma figura fundamental na história da saúde brasileira, cujas contribuições continuam a inspirar gerações de médicos até os dias atuais.