A economia brasileira sofria para tentar controlar a alta da inflação e a flutuação de preços desde a década de 1970, passando por diversas estratégias econômicas, que trocaram a moeda oficial, confiscaram valores da poupança e tabelaram preços. Mas a estabilidade só foi possível com o lançamento do plano que transformou a realidade do país em moeda: o Plano Real, que completa 30 anos nesta segunda-feira (1º).
Receber o salário e correr aos supermercados para garantir as compras antes do aumento dos preços fazia parte da rotina das famílias brasileiras durante as décadas 1970, 1980 e início dos anos 1990. Isso porque, naquela época, a instabilidade econômica do país era tão grande que em um dia a mesma mercadoria poderia ser remarcada diversas vezes, isso sem que o salário do trabalhador acompanhasse as alterações dos preços.
“Comece a pechinchar, dê valor a cada centavo do seu dinheiro, compre apenas o necessário. Se todo mundo acreditar que essa é a única solução, aqueles que vendem caro vão acabar acreditando também. E o brasileiro vai vencer a inflação. A partir de hoje, compre só o que o seu dinheiro pode pagar”. Era assim que uma propaganda do governo exibida em 1977 tentava explicar a inflação para a população, um “vilão invisível” que afetava do empresário à dona de casa.
Remarcação de preços
Sergio Fausto, cientista político e diretor-executivo da Fundação FHC, lembra como era intensa a movimentação nos supermercados antes do Plano Real, quando as pessoas tinham a necessidade de fazer grandes compras mensais. Àquela altura, era impossível ir ao supermercado sem encontrar um funcionário remarcando preços nos corredores. Isso levava as famílias a se prepararem para grandes compras mensais. “As pessoas iam em família ao supermercado para colocar mais coisas no carrinho”, comenta.
“A inflação tirava um pedaço cada vez maior da renda das pessoas e não dava nada em troca, fazendo isso de maneira desigual. Quem tinha recursos conseguia se proteger, com seu dinheiro no banco, e o banco ia acompanhando a inflação. Não era totalmente perfeito porque, quando a inflação dava uma sacolejada para cima, os ricos também perdiam. Mas os pobres perdiam a partir do momento que recebiam os salários”, comenta.
Despensas maiores para armazenar alimentos e produtos
A hiperinflação impactava até mesmo o tamanho da despensa, que se tornou um fator importante na hora de comprar apartamentos, pois a capacidade de estocar alimentos e produtos era um ponto importante para lidar com a inflação.
“Na hora de comprar apartamento, uma das coisas que mais se valorizava era o tamanho da despensa, para ver quanto de alimento se podia estocar, porque, se você comprasse no começo do mês, o preço era um. Se comprasse dez dias depois, o preço era maior. Só quem viveu aquela época pode dizer o que era a incerteza sobre as coisas mais básicas da vida econômica”, completa.
Inflação de 2.477,1%
Para ter uma ideia, em apenas 12 meses, de dezembro de 1992 a dezembro de 1993, a inflação avançou 2.477,1%. Naquele ano, o Real ainda não existia, mas imagine se um presente de Natal comprado por R$ 100 subisse para R$ 2.477 no Natal seguinte – um aumento de 25 vezes. A situação era tão crítica que em julho de 1994, com o lançamento do Plano Real, a inflação acumulada no ano já havia alcançado 815,9%.
Os empresários também precisavam se adaptar ao cenário de incertezas e às sucessivas estratégias que deram errado antes do Plano Real. Para se proteger de possíveis congelamentos de preços, as empresas aumentavam seus preços rapidamente, querendo que, quando seus preços fossem congelados, eles estivessem o mais altos possível. Isso criou uma incerteza econômica, pois ninguém sabia ao certo quando um novo plano poderia ser implementado e quais seriam suas consequências.
“Além desse fator de uma expectativa, de um medo permanente, de uma ansiedade permanente, o fato é que a inflação – e aqui eu vou usar um jargão, mas é um jargão verdadeiro – é o imposto mais perverso que recai sobretudo sobre os pobres. Por que ela é imposto? Primeiro porque ela é um imposto silencioso. A lei tal e a alíquota tal recaem sobre essa base tributária. E é um processo econômico que vai corroendo o poder de compra das pessoas. Então, é como se fosse um imposto. E não dava nada em troca”, diz o cientista político.
Fonte: R7