Entrevista com o padre Remir de Vettor

“Mas ele ressuscitará, ressuscitará! O povo não esquecerá! Não esquecerá!”, a música de padre Zezinho se tornou um hino da morte do padre José Maria Prada, que foi assassinado em 1991, aos 63 anos, por um policial. A camisa listrada e manchada de sangue passou a representar as vidas interrompidas pela violência que marcava Salgueiro.
Foram 5 tiros à queima-roupa. O motivo: a não aceitação da insolubilidade do matrimônio. O policial, que nunca foi preso, queria casar na igreja pela segunda vez.
O padre José Maria Prada era português e veio de Angola para o sertão pernambucano. Antes de Salgueiro, passou por Exu, Moreilândia, Granito e Verdejante, tendo como principal característica a simplicidade.
O blog Alvinho Patriota conversou com padre Remi de Vettor que assumiu a paróquia de Santo Antônio no mesmo dia do assassinato: “Não entrei em Salgueiro com honras, com carros, com som, com músicas, mas entrei pisando no sangue de padre José Maria.”
Para Vettor, padre José Maria foi “Um padre estimado pela sua simplicidade e pobreza”. Completa: “Vivia num quartinho pequeno com um banheirozinho pequenininho que cabia uma pessoa.”
A população celebra 34 anos desse evento histórico de Salgueiro. “Mataram mais um irmão! Mataram mais um irmão”, de padre Zezinho marcou a virada de uma cidade, numa época de assassinatos, tráfico de drogas e impunidade. A população pediu justiça, as polícias passaram a atuar e a participação dos fiéis, na igreja, cresceu de forma significativa.
Acompanhe o relato de quem conviveu de perto com Padre José Maria Prada e que esteve à frente desse processo de mudança.
BA: Como foi para o senhor chegar a Salgueiro, há 34 anos, logo após a morte do padre José Maria?
PR: Eu assumi às 10h30 da manhã com o corpo dele estirado no salão. Foi aí que assumi Salgueiro. Em cima do sangue dele. Como é que foi? Uma experiência incrível. Eu conhecia Salgueiro pela fama triste que tinha, então sabia o que ia enfrentar. Padre José Maria para mim é um mártir, no sentido, não por casamento, mas por ter sido a causa de uma mudança. Todos os habitantes de Salgueiro, a partir daquele momento ficaram abismados da realidade de Salgueiro. O sangue dele marcou a história da igreja de Salgueiro. A partir daquele momento, então, eu comecei o meu ministério, a minha luta, participando e assumindo diretamente. Foi um momento, pra mim, fundamental. É um momento bonito para mim. Não entrei em Salgueiro com honras, com carros, com som, com músicas, mas entrei pisando no sangue de Padre José Maria.
BA: Quem era o padre José Maria?
PR: Era um padre muito humilde. Muito bom. Um padre estimado pela sua simplicidade e pobreza. Não era um líder, no sentido que fosse uma voz forte, não, mas era a voz de um sacerdote que vivia uma espiritualidade muito boa, que pregava serenamente, que visitava as comunidades, rezava muitas missas por aí. Vivia em cima do salão paroquial. Eu vivi por 2 ou 3 meses lá. Ele vivia num quartinho pequeno com um banheirozinho pequenininho que cabia uma pessoa. Ele fazia comida para o padre Garcia e para ele. Ele lavava a roupa, fazia a comida, fazia a limpeza. Padre José Maria foi o servo que fez tudo. Um padre muito humilde, muito silencioso.
BA: Qual a importância de celebrar esses 34 anos da morte de padre José Maria?
PR: A mesma importância de recordar a história. Nós não vivemos em cima da história do evangelho, da história de Cristo? E celebramos todos os anos o nascimento, a morte, a ressurreição? A gente não pode esquecer as raízes, a história de uma mudança do povo. É fundamental não ser esquecido. Nós vivemos hoje, mas no baseamos em cima do ontem. O Novo Testamento é de hoje, mas se baseia em cima do Antigo Testamento. Nós somos filhos, nos baseamos nos nossos pais. Uma comunidade tem a sua história de origem, de continuidade, das pessoas que marcaram a história. Então, é fundamental que Salgueiro não esqueça. Quem tem 40 anos não lembra disso. Mas quem tem recorda e isso faz bem porque é recordação de um momento importante do cristianismo de Salgueiro e da cidade de Salgueiro. Não vamos esquecer as raízes não.
BA: Quais foram as consequências do assassinato do padre José Maria para a cidade de Salgueiro?
PR: Eu penso que foi um dos maiores acontecimentos de Salgueiro, claramente não da história antiga, mas da história moderna. Salgueiro era uma cidade que vivia na insegurança, os carros não viajavam de noite, tinha que ter a polícia na frente porque os assaltos de caminhões eram frequentes, entre Cabrobó e Salgueiro. E Salgueiro era uma cidade violenta, agitada, dominada. Os bandidos eram presos mas soltos facilmente. Então era uma situação difícil. As consequências dessa morte, aqui, foram uma mudança bastante radical, a respeito da violência, a respeito também da presença da polícia federal e também na igreja mudou muito a presença de animação nas comunidades de base, animação das pastorais que surgiram, Pastoral Carcerária, as obras sociais que foram criadas. Salgueiro teve uma mudança que permanece. Agora, claramente se passaram 34 anos, a coisa está desandando um pouco, mas eu espero que melhore. Porque a droga corre solta agora. Então, temos que vigiar, temos que fazer que essa história do Padre Zé Maria seja um contínuo chamamento a uma mudança de certas atitudes que existem em Salgueiro. A igreja também é um pouco omissa a isso, um pouco fechada, as igrejas crentes, também, a mesma coisa. Está se perdendo um pouco o contato real com a realidade social precisa abrir os olhos e fazer dessa experiência não uma celebração, mas um incentivo a continuar essa luta.
