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PGR quebra sigilo de fonte ao usar interceptação de conversa com jornalista

O artigo 5º da Constituição Federal é claro: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Por isso, obrigar que jornalistas revelem a origem das informações que publicam é inconstitucional, bem como interceptar conversas de jornalistas no exercício da função. Mas isso não impediu que a Procuradoria-Geral da República anexasse ao inquérito que investiga o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e sua irmã, Andreá Neves, uma conversa dela com o jornalista Reinaldo Azevedo.

O caso foi revelado pelo site BuzzFeed, que publicou também a transcrição da conversa, anexada ao processo. Nela, nada de relevante ao processo é dito: nem a Polícia Federal considerou haver indícios de crimes nas conversas. O jornalista e sua fonte conversavam sobre o cenário nacional, o PGR, Rodrigo Janot, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia. 

Na conversa interceptada e tornada pública, Reinaldo Azevedo criticava também, uma reportagem da revista Veja, onde trabalhava até esta terça-feira.

Azevedo enxerga na iniciativa do PGR uma tentativa de intimidá-lo. Ele vinha criticando a atuação do Ministério Público na operação “lava jato” e, mais recentemente, voltou suas munições ao PGR, Rodrigo Janot, por causa do acordo de delação premiada assinado com o Grupo J&F, que controla a JBS.

“Se estimulam que se grave ilegalmente o presidente, por que não fariam isso com um jornalista que é critico ao trabalho da patota?”, escreveu o jornalista, fazendo referência ao MPF, em comunicado publicado no Facebook.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), diz ver “com preocupação” a violação do sigilo de fonte protagonizada pela PGR. “A inclusão das transcrições em processo público ocorre no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação da PGR, sugerindo a possibilidade de se tratar de uma forma de retaliação ao seu trabalho”, afirma a entidade.

Além de ignorar o sigilo previsto na Constituição, a interceptação viola também o artigo 9º da Lei 9.296/1996, que trata das interceptações, por ser uma gravação que não interessa à prova, lembra o jurista Lenio Streck. “É grave isso que foi feito em relação ao jornalista Reinaldo Azevedo. Isso já acontecera no caso da divulgação da parte da conversa de Aécio com Gilmar Mendes, que não é investigado. E também acontecera na conversa entre Dilma e Lula”, diz.

Ele critica o ato ilegal: “Ao que consta, formalmente ainda não estamos em um estado de exceção. Ninguém está seguro em conversar mais com ninguém na República. A Constituição parece que já não nos protege. Parece que estamos em mundo panótico, sob o olho invisível do poder. No caso, sob a escuta ‘invisível’ do poder”.

O constitucionalista Eduardo Mendonça, do escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça e Associados, explica que o caminho para interceptações que não têm qualquer relação com os crimes investigados é o segredo de Justiça. “Não se pode simplesmente apagar, para que as partes possam verificar se a seleção de trechos feita pelas autoridades é legítima, mas também não se deve torná-las públicas, pois são conversas pessoais.”

“É um grave problema do Direito brasileiro a falta de parâmetros objetivos para definir o que deve ser divulgado e quando”, diz Mendonça. Ele defende que todas as pessoas que sejam vítimas de interceptações tenham o direito de ser avisadas posteriormente, mesmo que não tenha sido aberto um processo. “O Estado não tem o Direito de ouvir as pessoas em suas vidas privadas sem sequer dar satisfação”, afirma.

Fonte: Consultor Jurídico