Ouso divergir do entendimento daqueles que negam a existência de uma política punitivista e segregadora no nosso País. Não se trata de compactuar, ou não, com uma simples “lógica esquerdopata”, ou com um posicionamento “direitista e conservador”, mas sim da constatação ratificada por números de que, efetivamente, há em voga uma política do Poder Judiciário – braço do Estado – que insiste na equivocada concepção de que a forma mais adequada para se combater a criminalidade, em quaisquer dos seus níveis, é encarcerar o indivíduo infrator, excluindo-o do convívio social, sem, contudo, combater o mal no seu nascedouro, ou seja, na base periférica da sociedade marginalizada, dando-lhe educação de qualidade, saúde e, sobretudo, oportunidades para desfrutar das ações positivas do próprio Estado.
Enclausurar o indivíduo apenas para extirpá-lo do meio social é nada mais do que um paliativo, na medida em que as cadeias e os estabelecimentos prisionais deste País não regeneram ou ressocializam ninguém. Ao revés: o indivíduo entra no sistema carcerário “analfabeto” e de lá sai “pós-graduado” no crime. Repare, prende-se, mas um dia o criminoso sai (porquanto, não há no Brasil penas de banimento ou perpétua). A questão crucial, portanto, ao meu modesto sentir, é que a elite brasileira de Norte a Sul e de Leste a Oeste, comunga da errônea opinião de que “descartar” o problema é melhor do que “reciclá-lo”. Colho e partilho aqui um exemplo-mor dessa visão distorcida e feudalista: grassam nas grandes, médias, e até nas pequenas cidades tupiniquins, construções suntuosas de condomínios fechados, circundados por imponentes muros, ladeados por destacadas cercas eletrificadas, guarnecidos por seguranças impecavelmente fardados, de sorte a manter incólumes os seus privilegiados moradores… A pergunta simplória que se faz é: até quando essa casta surgida dentro de uma sociedade exclusivista, materialista e hipócrita haverá de se manter a salvo da majoritária legião que permanecera extra-muros, de presos, de seus familiares, desempregados, desassistidos, desvalidos, órfãos do Estado e párias de todas as matizes?
Se a classe econômica abastada e as senhoras e os senhores governantes não alterarem suas prioridades e não mudarem suas políticas públicas, distribuindo riquezas e oportunidades indistintamente, logo perceberão que os muros erguidos no entorno das suas residências deixarão brevemente de ser chamados de Condomínios, e passarão a ser batizados de “prisões de luxo” ou “enxovias de bacanas”, concluindo, tardiamente, que eles é que são, na verdade, os “presos sociais”, completamente ilhados por outros excluídos ao seu derredor. Sou advogado militante na área processual-penal há mais de vinte anos e trabalhei como assessor do Sistema Penitenciário de Pernambuco por longos quatro anos, e lhes digo sinceramente que no Brasil não existem prisões ressocializadoras, mas sim, masmorras medievais, onde se teima em fazer do confinamento do chamado estorvo humano, a solução para o combate ao crime e as mazelas sociais. Ledo engano. Que a terra nos seja leve.
Por Gilson Alves – Advogado militante
Artigo publicado originalmente no dia 7 de janeiro de 2017